quinta-feira, 19 de julho de 2012

Cadê você pra furar o bolo?


O café está esfriando e nenhum sinal de você. Dou um desconto, porque cafés tendem a esfriar rápido demais, mas não consigo ignorar essa sensação sufocante que a sua ausência me dá. Tento ler meu livro, mas não me concentro e preciso ler a mesma frase mais vezes do que posso contar. Os biscoitos não conseguem prender minha atenção, tão pouco. Mesmo a comida perde a graça sem você. Os ruídos que escuto – e não quero parecer louca, meu bem, longe disso, mas nem todos existem de fato – me fazem olhar para a porta com uma esperança de criança no rosto. Está tudo tão vazio agora. Poderia o vazio me preencher tanto assim, a ponto de não dar lugar a mais nada? Sinto-me como uma bexiga ao ser furada por uma criança, que aos poucos vai murchando e perdendo a vida, até aterrissar no chão, morta. Você me murchou. Será que, se eu esperar mais um bocadinho, você me enche de novo? Ás vezes, quando junto coragem suficiente para sair de casa, parece-me que estou cheirando a saudade – ou, de acordo com o ponto de vista, fedendo – e as pessoas estão sentindo o cheiro a vários metros. Existe banho que limpa saudade? O cheiro está em minhas roupas, sapatos e impregnado em meu cabelo. Não irei nem mencionar as cobertas, quanto mais o travesseiro. Sinto saudade do tempo em que éramos simples, apenas dedos entrelaçados e selinhos roubados. Meus dedos sentem falta dos seus, e como sentem. Eles doem. Uma das muitas coisas que você me ensinou, é que a dor pode se tornar física, quando muito forte. E esta está bem forte, te garanto. Sinto falta do modo como você dizia “aliás” em todas as frases, até mesmo quando não se encaixava no contexto. Sinto falta da sua risada extravagante e de como eu não conseguia segurar o riso ao ouvi-la. Sinto falta de como você estava sempre quente, mesmo no frio. E o seu cheiro, ah. Sinto um bocado de falta dele. Sinto falta da sua mania de furar meus bolos e sinto falta de te dar tapas e mordidas por tê-lo feito. Sinto falta da marca do seu dedo. Os bolos estão horríveis agora... Perfeitos demais. Sinto falta de quando você me abraçava quando eu queria, e mais falta ainda de quando me abraçava e eu nem sabia que queria. Sinto falta de quando dividia o chocolate quente comigo, mesmo odiando chocolate quente. Sinto falta da sensação que me dava quando você me dava um beijo na bochecha. Sinto falta de como eu ficava tonta quando você estava por perto. Falta de tanta coisa que, antes de você se cansar de ler tudo, me contento em dizer que sinto falta de você. Você me roubou você. E não apenas isso, roubou o tempo também. Agora sinto como se ele não existisse. Não vejo horas e minutos, quanto mais dias, semanas, meses. Tudo passa tão depressa e tão lentamente. Tudo sempre passa e nunca passa. Me dói pensar que éramos tudo e agora somos nada. Me dói pensar que agora eu não passo de uma bexiga murcha, que cheira a saudade, não come biscoitos e mal consegue ler ou terminar um café. Como se limpa saudade?  

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A mancha do tapete.

Já não sei onde mais colocar feridas. Não há lugar para guardá-las. Infelizmente, quando uma bate a sua porta, não aceita um "está lotado" como resposta. Ela entra e vai tirando o sapato (mas continua com as meias, para provar que está se sentindo em casa e não pensa em ir embora), deitando no sofá e colocando os pés em cima da mesa de centro. Não importa se o local já está infestado de outras feridas. Ela chega sem pedir licença, espalhando sangue pelo tapete que acabei de comprar e fica ali, me cutucando a noite inteira, impedindo-me de dormir. No início não me queixei, havia poucas e era fácil. Agora, mal consigo cuidar da metade. Comecei na típica inocência de iniciante, uma por vez, e agora me vejo com uma coleção monstruosa, para não dizer mais. Não coleciono-as por hobbie, sou uma colecionadora obrigada a colecionar. Não há meios de jogá-las fora ou dar para o vizinho. Não há meios de ignorá-las, tão pouco. Quando se tenta fazê-lo, recebe-se em troca protestos, gritos, chutes, birras e cutucões no mínimo doídos. O único jeito é aceitá-las. Ao chegar mais uma, deixo de lado as que estão cicatrizadas e me concentro na que está sangrando. Passo pano no chão, lavo o tapete e arrumo a casa para minha mais nova moradora. Preparo uma cama confortável, um travesseiro branco, uma coberta e um pijama com cheiro de lavanda. 
Admito que não posso me queixar de tudo, pois ás vezes, na fria e silenciosa madrugada de inverno, minhas feridas são as únicas que me aquecem e me fazem companhia. O fato é que daqui algum tempo, em algum momento próximo, não darei mais conta. Estou cansada e minhas condições já não são das melhores mas, enquanto esse momento não chega, vou me virando com o que tenho. Com um pouco de carinho e um bocado de bronca, pra tudo dá-se um jeito. Algumas começaram a obedecer. Para as que ainda não obedecem, haja paciência. E haja pano de chão.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O meu "caralho".

Fui atingida na costela. É incrível como uma coisa tão pequena pode fazer um estrago tão grande. Senti a bala rasgando minha pele e perfurando o osso. Senti o sangue se esvaindo e o coração falhar. Senti o pulsar nas têmporas e o ar lutando pra entrar e sair do pulmão. Senti o chão frio e o baque poeirento que meu corpo fez ao cair. Ao mesmo tempo, não senti nada. Diversas vezes, vi pessoas revivendo suas lembranças momentos antes de morrer. É o que filmes e livros mostram. Você provavelmente também viu, e sinto por estragar o seu barato, mas não é bem assim. A morte é fria, rápida, indolor. Não se pensa no primeiro tombo de bicicleta quando se tem uma faca enfiada no fígado, ou uma bala perfurando o cérebro. Ninguém lembra do casamento no meio de um ataque cardíaco ou durante as capotadas de um carro. Não há tempo para memórias. O máximo que sai é uma palavra e pum, tá morto. A palavra que a maioria das pessoas pensa deve ser "caralho". Minha palavra foi seu nome. Naquelas infinitas e intermináveis frações de segundos, pensei em você. Não foi como se eu tivesse ficado horas ignorando o fato de ter uma bala na costela e parado pra pensar em você, e sim como se você tivesse se enfiado a força na minha mente, como sempre fez, até o último minuto. Pra provar que quem manda é você, não importa quando ou onde. Passei minha vida inteira não ligando pra morte. E ali, prestes a abraça-la, não quis o que a maioria das pessoas quer ao cair nos braços da morte. Não quis viver. Pra mim tanto fazia. A única coisa que eu realmente quis, e merda, como quis, era você. Era te ver uma última primeira vez. Desejei, com toda a força que restava no que me restava de corpo, que você fosse a morte.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

1957


Abri a mala com cautela e demasiada demora. Não que tenha sido algo difícil de fazer, visto que estava abarrotada e praticamente se abrindo sozinha.  Aventurei-me a bisbilhotar seu interior com o canto do olho e sem pressa, como se faz quando se visita uma casa pela primeira vez. Lembranças transbordavam de seu interior e me esbofeteavam o rosto, lembranças de um passado que não me pertencia e que talvez nunca o tenha feito. Sorriam e mostravam a língua como uma criança mal criada. Meu pai dizia que na vida nós temos muitas vidas, e que, ao partirem, cada uma delas nos deixa de presente um passado repleto de lembranças. Guardei minhas vidas naquela mala de madeira gasta e durante muito tempo limitei-me a fita-la. Naquele dia, após tanto trocar olhar, me afundei no passado, em tempos onde o sorriso não esfaqueava as bochechas. Meu pai também dizia que o mundo é dividido entre aqueles que amam e aqueles que fingem não amar. Dizia, com um sorriso de rugas, que todos possuem amor dentro de si, mesmo que seja um amor coberto de ódio. Havia amor na mala. Um amor puro e inocente, daqueles que só o verão proporciona. Na mala havia mãos tremulas e soadas e sorrisos roubados aos montes. Dela emanavam cheiros diversos, cheiro de grama molhada, sal, pasta de dentes e madeira. Em cima de tudo, encontrei um velho relógio, eternamente paralisado ás 15h03min de um dia quente do verão de 1957. Aqueles eram outros tempos, tempos onde tudo era nada e nada era tudo e, principalmente, onde era sempre assim: tudo ou nada. Tempos em que um foda-se resolvia tudo. Tempos de uma ignorância inocente, de um poder sem origem e uma vontade de descobrir o mundo inteiro em um segundo. Tempos onde explicações eram bobagens e onde viver como se fosse o ultimo dia era o que importava. Tempos onde se chorava até secar, sorria até rasgar e gargalhava até sangrar. Não havia meio termos, era um ou outro. Encontrei fotografias e me choquei ao perceber que mal me lembrava do momento em que foram tiradas. Sorri ao ver que a velha câmera da minha mãe estava intacta. Passei a vida me perguntando como um simples objeto consegue congelar um momento pra sempre e sinto que morrerei ser saber a resposta. Sempre amei fotografias,  o mistério e a magia por trás delas me fascinam. A fotografia é o corpo da lembrança.  Quando criança, costumava fita-las por horas, me perguntando o que aquelas pessoas estavam fazendo antes de serem fotografadas, e o que fizeram depois. Imaginava-as correndo para se abraçar e depois piscando devido á luz do flash. Vejo o passado com um tênue receio, com respeito e certa cumplicidade. Como um estranho á quem se tem a impressão de ser um velho amigo. Aperto sua mão e dou um sorriso amarelo, considerando a mais mínima intimidade uma coisa proibida. Quando se envelhece, ele é sua única companhia. Além da clássica poltrona velha, claro. São recebidas constantemente visitas de perguntas sempre começadas com “e se” e, se você quiser, pode considerá-las companhia também. Quando uma coisa chega, outra sempre se vai. Os anos nos tiram as pessoas (que, ao chegarem, nos tiram outras pessoas), a idade nos tira a memória e o passado nos tira o sono. Naquela noite, aquela mala velha, entupida de coisas velhas, se tornou minha melhor amiga. Acariciar aquela madeira gasta e as bugigangas do seu interior foi o mais perto que eu cheguei de um abraço. E veja bem, não reclamo. Pois como dizia meu pai, não se pode ter tudo.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Três vezes quatro


Fala galera.
Então, começo este belo post com uma belíssima notícia para compartilhar convosco: sim, neste bela tarde do dia 29 de dezembro comprei minha tão desejada-querida-foda-linda-pra-caralho camiseta da Red Hot Chili Peppers. No caso, eu nem imaginei que eu poderia comprar ela. Minha colega veio me avisar no msn que abriu uma nova loja de camisetas de banda na minha cidade e também me avisou que a minha tão sonhada camiseta estava lá me esperando. Mas porém, também aconteceram outras coisas no meu dia hoje que eu, neste exato momento, queria comentar ou compartilhar com vocês.

70% do twitter, certa época, tuitava algo sobre "EU JÁ SOU FEIO, E AGORA EM FOTO 3X4 SOU PIOR AINDA". Tenho quase certeza que 69% dessas pessoas havia tirado a porra da foto 3x4 quando era criança e tava fazendo birra. Ou seus pais tinham chantageado ela com "OU VOCÊ TIRA A FOTO OU NÃO GANHA O PRESENTE DE DIA DAS CRIANÇAS" - isso já aconteceu comigo quando meu pai me obrigou a tomar vacina sem chorar. Foi tipo: "ou você deixa a mulher enfiar a agulha em você sem derramar uma lágrima, ou não ganha o relógio." No fim das contas, eu berrei tanto que meu pai falou que ia me comprar o relógio se eu parasse de gritar.

Voltando ao assunto, hoje fui obrigado a ir em um estúdio fotográfico pra tirar uma foto 3x4. Na real, foram três. Eu cheguei lá pensando "puta que pariu, eu tenho que sair sério e eu não consigo sair sério porque eu vou ficar pensando em tanta merda que eu vou começar a rir e eu vou ter um ataque de riso." Daí me chamaram pra ir até o espelho pra arrumar o cabelo. Eu só baguncei meu cabelo ainda mais e a mulher olhou pra mim com uma cara de tipo "OW MULEQUERSON, ISSO É O QUE TU CHAMA DE ARRUMAR O CABELO?" e eu pouco me fodendo, fui lá tirar a foto. Como é de costume, aqueles flashs sempre deixam sequelas na visão do ser humano. Não tem como você não sair de um estúdio sem ficar enxergando um quadradinho em tudo quanto é canto.

Chegou a melhor (pior) hora, que era de escolher uma das 3 fotos. Eu disse pra ela que era pra ela escolher a menos pior. Quando ela veio me entregar, eis que acontece um milagre: EU NÃO TAVA COM NENHUMA MANCHA/ESPINHA NA CARA e eu fiquei: CARALHO, COMO FICOU BOA ESSA FOTO. Então, a moral da história era que: TODO MUNDO FICAVA RIDÍCULO NAS FOTOS PORQUE NAQUELA ÉPOCA NÃO TINHAM TECNOLOGIA SUFICIENTE PRA USAR. Agora, qualquer um fica lindo. Até eu.


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Tudo & Nada


Só pra começar: acho que faz uns 4 meses que eu não escrevo nessa merda aqui. E sim, é por falta de vontade e por falta de o que escrever. E eu to escrevendo esse texto agora sem nenhum assunto definido. É tipo, esquisito. Na real, me deu uma puta saudade do tempo que eu vivia em torno do blog. Eu ficava procurando aqueles concursos lá de textos. NUNCA GANHEI, mas não tem problema. Era legal. Eu era feliz só com isso. E agora é meio, sei lá, idiota. Eu não vou querer reler isso que tecnicamente podemos denominar como um texto, porque aí sim eu não iria postar isso. Tá, to escutando Bidê e tava pensando no que eu poderia ter feito esse ano que poderia ter mudado ou sei lá, poderia ter sido legal. Uma coisa que puta que pariu eu nunca vou esquecer na minha vida, aconteceu ano passado.

Na real, acho que foi a melhor coisa que aconteceu entre ano passado e esse ano. Era umas 10 horas da noite, e eu entrei no google porque eu tava entediado e sem caralho nenhum pra fazer. Eu não sei se existe essa ferramenta ainda, mas era algo do tipo "em tempo real", e eu fui lá procurar sobre tudo e nada. Primeiro, eu não lembro o que eu digitei. Depois, eu pensei "Puts, vou ver se tem algo de novo nessa merda dessa cidade". Fui lá e digitei tecnicamente "Erechim". E apareceu um monte de tweets de merda, que só reclamavam da cidade. E um foi do tipo "NÃO TEM NEM ERECHIM NA LOCATION DO TWITTER" e eu fiquei tipo: porra, quem que tuitou isso? Velho, eu tenho que ver. E EIS QUE APARECE A @NAAHNIGHT.

Uma das primeiras pessoas que eu encontrei aqui da minha cidade que era foda, que gostava do que eu gostava, que era sei lá porra perfeita? No outro dia, eu nem acreditava. Eu ficava "PUTS". E não vou ficar narrando como aconteceu tudo, mas agora ela é minha monera linda caralho amo essa guria NÁ ESSA É UMA DECLARAÇÃO PRA VOCÊ BELEZA. E através da Ná, eu conheci a Layse e a Roberta. E caralho, eu fico imaginando se eu não tivesse feito nada disso. Ou se eu não tivesse entediado e não tivesse procurado o nome da minha cidade no GOOGLE. Na real, isso é tipo uma lição de vida (?) que todo mundo tem que levar cara. Tipo, esse ano foi mais feliz porque essas pessoas entraram na minha vida. ISSO NÃO É UMA RETROSPECTIVA, eu acho. Tá, deve ser. Mas foda-se. Eu escrevo o que eu quero. Ninguém vai ler essa merda mesmo.



Claro que, outras muitas coisas mudaram minha vida esse ano. Não vou ficar citando os nomes aqui porque puta que pariu hein, mas beleza. Esse ano foi um dos mais fodásticos na escola e na minha vida. Passei pro ensino médio, e vou ter que trocar de escola. COMO É ÓTIMO TUA ESCOLA NÃO TER ENSINO MÉDIO. Na real, minha antiga escola. É esquisito usar o termo "antiga escola". Eu não me acostumei com a ideia que eu vou ter que entrar em um colégio que eu não conheço quase ninguém, não conheço a porra dos professores nem aonde é o banheiro. Claro que com o passar do tempo eu vou conhecer tudo isso. Mas a "coisa" é que eu conhecia as pessoas lá da escola. Eu sabia como as coisas funcionavam. Eu conhecia como os professores eram e eu podia sair da sala na maioria das vezes quando eu quisesse porque a gente mandava naquela merda. Tá, a gente não mandava. Claro que não. Mas a gente era amigo da vice-diretora e a gente ia lá pra cima e começava a zuar com a cara dela. E ela zuava com a nossa. E o estranho é que: eu não vou ter nada disso na outra escola. Eu não vou poder acordar as 7h15 e esperar meus colegas pra gente ir junto na escola. Eu vou ter que acordar as 6h porra. As 6h; Eu posso estar fazendo um POUCO de drama, mas vai ser tipo, uma vida nova. E não tem mais como fugir então, vambora.

MAS PORÉM, eu fico um pouco animado com essa coisa de "escola nova". E, pra fechar com chave de ouro os 8 anos na antiga escola, fui no Beto Carrero World com meus amigos e cara, FODA é pouco pra resumir o quão fodástica-perfeita-caralho-a-quatro foi. Eu tava tão ansioso pra chegar lá, que eu dormi no máximo uns 10 minutos em uma viagem de quase 10 horas. E eu não sei como explicar a sensação de ir naqueles brinquedos cara. É tanta adrenalina que tu fica besta. E foi com certeza a melhor viagem que eu fiz na minha vida. Quando cês forem pra lá, lembrem de mim e aproveitem pra caralho, sério. Vão até no Raskapuska, porque até esses brinquedos de criança são fodas.



Eu to achando que eu escrevi demais pra quem tava um tanto quanto enferrujado. Então, quero agradecer par todos que fizeram o meu ano muito melhor, e sei lá, to achando que ninguém vai ler esse texto aqui. Mas eu não ligo, porque na real, este texto me fez lembrar de tanta coisa boa que eu vou ficar feliz pro resto do meu dia. (Os palavrões que constam aqui são mera coincidência.)
                                                                                                                                               




(soffy te amo)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Visita da meia-noite.

No momento em que a vi, reconheci sua figura. Era impossível não fazê-lo. Ela era reconhecível até mesmo entre milhares de pessoas. Se destacava do todo como sangue fresco na imensidão da neve branca. Ela também me reconheceu, deu um pequeno sorriso sem dentes e uma piscadela como quem conta um segredo pra um amigo íntimo. Não gostava disso. Não gostava dela e o do que ela causava em mim. Tinha medo, pavor, assombro. E ela sabia disso. Ela sabia de tudo. Sempre chegava como quem não quer nada, mas eu sabia o que ela queria. Ela se alimentava de mim. Como um aspirador de pó de última geração, ela sugava o pouco de luz que eu conseguira juntar no tempo que ficamos separados. Vinha de mansinho, se aproximando aos poucos, caminhando sem fazer barulho como quem corre descalço na grama. Me dava uma palmadinha nas costas e lá íamos nós de novo. Me trazia presentes. Um pacote atrás do outro de lembranças e pensamentos. Não queria aceitar nenhum, mas ela insistia, dizia que não aceitaria não como resposta. Acabava aceitando, todas as vezes. Abria as lembranças, vasculhava, dava meu melhor sorriso amarelo e agradecia. Oferecia um chá, como toda boa anfitriã. Tomávamos o dito cujo enquanto conversávamos sobre minha infância e sobre as lembranças e pensamentos que ela me trouxera desta vez. Tentava parecer normal, fingir que não sentia a felicidade se esvaindo enquanto ela se alimentava cada vez mais de mim. Não a culpada. Era o trabalho dela, a necessidade dela. Que poderia eu fazer, senão ceder? Ás vezes ela me contava como estava sua vida, se fizera as pazes com a Morte ou reatara o namoro com o Ciúmes. Certa vez, descobri que sua fiel melhor amiga Saudade finalmente estava namorando. Ninguém a queria, diziam todos, pois era instável demais. Após o chá, sentávamos no sofá e ela me consolava. Era quase uma amiga. Já havia me acostumado com sua presença e por vezes chegava a ansiar sua volta. Pelo menos alguém voltava. Ela era egoísta, devo admitir, mas quem não era? E pelo menos ela nunca me deixou na mão, sempre estava lá. Era a melhor companheira e jamais me abandonava. Mesmo nas vezes em que acabei por insultá-la e mandá-la embora, continuou presente e ficando comigo até o fim. Quando eu acabava de chorar e finalmente dormia em seus braços, ela ia embora. Não sem antes deixar um bilhete:

"Até mais, querida. Eu voltarei logo, prometo. Com amor e já com saudades,

Dor."